Revista da Ordem publica artigo do procurador do Paraná Luiz Fernando Baldi

 Revista da Ordem publica artigo do procurador do Paraná Luiz Fernando Baldi
No artigo, autor pondera questões da Advocacia Dativa relativas à gratuidade e integralidade do acesso à Justiça e também alerta sobre elevado número de ações judiciais de execução de honorários dativos
A sessão Cadernos Jurídicos da Revista da Ordem da OAB Paraná, edição nº 45 de janeiro | fevereiro de 2018, traz o artigo “Advocacia Dativa como política pública”, produzido pelo procurador do Estado do Paraná e associado da APEP, Luiz Fernando Baldi, chefe da Procuradoria de Honorários da Gratuidade da Justiça da PGE-PR.

Da página 51 a 53, o procurador aborda as questões relativas à gratuidade e integralidade do acesso à Justiça. Baldi ainda discorre sobre nomeação de advogados, chamados de “dativos”, criação da Procuradoria de Honorários da Gratuidade de Justiça e a contínua aproximação com a Ordem dos Advogados do Brasil, seção Paraná.

Baldi faz um alerta também sobre o elevado número de ações judiciais de execução de honorários dativos. Em seu artigo, o procurador destaca que a política pública de estruturação e pagamento da advocacia dativa é um ótimo exemplo de cooperação entre o ente público e a Ordem dos Advogados, enquanto entidade representativa de classe.

Leia abaixo o artigo na íntegra

Advocacia Dativa como política pública

Luiz Fernando Baldi

A Constituição Federal insculpiu em cláusula pétrea o direito das pessoas hipossuficientes à assistência jurídica integral e gratuita[1]. Faz parte daquilo que se passou a chamar de direitos individuais de segunda geração, ou dimensão; e, portanto, uma ação positiva necessária do Estado visando a promoção da igualdade e dignidade da pessoa humana. Neste foco, garantindo a todos e amplamente o acesso ao Poder Judiciário.

A concretização deste direito se dá, prioritariamente, pela instituição da Defensoria Pública, cuja importância é reconhecida em grau constitucional como função essencial à Justiça, assegurando-lhe autonomia funcional e administrativa e iniciativa de proposta orçamentária[2]. Tudo isto para que, segundo ainda o ordenamento constitucional, até 2022, existam Defensores Públicos presentes em todas as unidades jurisdicionais.[3]

Ainda que tardiamente, o Estado do Paraná iniciou seus esforços neste objetivo,  criando a Defensoria Pública em maio de 2011, com a Lei Complementar 136, cujo primeiro concurso público data de 2013. É possível observar que o dispositivo constitucional citado, de eficácia plena, está próximo dos trinta anos, enquanto que a criação da instituição necessária a concretizá-lo no Estado do Paraná mal completou seu sexto aniversário. Por esta e outras razões[4], ainda não se tornou possível o oferecimento integral do serviço prometido aos cidadãos que, por ausência de recurso, não podem contratar um advogado para postular em juízo.

Assim, desde de antes da criação da Defensoria Pública, o Poder Judiciário consolidou a prática de nomeação de advogados, chamados de “dativos”, para atuar em processos onde não havia defensoria pública, arbitrando em seu favor, honorários de modo a retribuir o serviço prestado, com amparo no art. 22 da Lei 8906/94.

Logo, por muito tempo, a entrega deste direito ao hipossuficiente foi feita de duas maneiras distintas: de ofício pelo Estado na atuação da defensoria pública, e judicializada nas nomeações de advogados dativos.

Ainda que o Estado tenha se curvado à jurisprudência dominante, autorizando, pela Deliberação 174/2010 do Conselho Superior da PGE, os Procuradores a transacionar nos pleitos judiciais de pagamento dos honorários de advocacia dativa, o reconhecimento oficial do múnus público de alta relevância desempenhado veio com a Lei Estadual 18664/2015.

Ao dispor em seu art. 5º que o “advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Paraná – OAB-PR, nomeado judicialmente para defender réu pobre em processo de natureza civil ou criminal, ou atuar como curador especial, após o trânsito em julgado da decisão, terá os honorários pagos pelo Estado, na forma disposta nesta Lei” abriu importante caminho para a “desjudicialização” da demanda e inscreveu esta atividade no rol das políticas públicas adotadas pelo Paraná.

O primeiro pagamento administrativo ocorreu no mês de novembro de 2016, saldando-se 277 pedidos, com valor total de R$ 212.903,00. Menos de um ano depois, tais números foram mais que decuplicados. Observe-se o gráfico e a tabela abaixo:

Mês Pedidos  Valor pago R$
nov/16 277 212.903,00
dez/16 463 305.133,33
jan/17 831 666.613,40
fev/17 836 659.977,00
mar/17 1277 916.895,00
mai/17 2211 1.546.709,00
jun/17 1677 983.983,39
jul/17 2004 1.194.700,00
ago/17 2429 1.616.526,95
set/17 2814 1.827.670,10
out/17 3397 2.243.922,75

Para dar eficiente atendimento à crescente demanda, em abril de 2017 foi criada na Procuradoria Geral do Estado, a Procuradoria de Honorários da Gratuidade de Justiça (a reestruturação foi a razão pela qual em abril não houve pagamento), com estrutura e competência para atender tanto a demanda administrativa quanto judicial sobre o tema, em todo o Estado do Paraná.

Reflexo disto tem sido a contínua aproximação com a Ordem dos Advogados do Brasil, seção Paraná. Primeiramente, para criar consenso quanto aos valores a serem pagos pelo serviço da advocacia dativa. A publicação da Resolução SEFA/PGE 13/2016[5] foi um marco com poucos paralelos no país[6]. Respeita-se, assim, a atuação dativa, distinta da atuação contratual, dentro de valores que permitem a sustentabilidade financeira da política pública a longo prazo.

Outro reflexo é o intercâmbio de informações entre as instituições, que resultou no portal advocaciadativa.oabpr.org.br. Além de notícias e informações próprias da Ordem sobre o tema, são divulgadas todas as informações de pagamento por advogado e o resultado das análises de cada pedido, conforme consta na página de advocacia dativa do site http://www.pge.pr.gov.br.

Tão importante quanto, é o esforço conjunto entre as instituições para que tais pedidos sejam feitos de modo exclusivamente digital, com sistema em desenvolvimento pela OAB/PR, a resultar em Acordo de Cooperação Técnica em futuro próximo. Ganha, assim, a comunidade advocatícia com um sistema mais simples e a PGE, com um sistema mais eficiente e sem os obstáculos e logística típicos do modelo de pedido em papel.

Por fim, traçam-se um pedido e um alerta: o número de ações judiciais de execução de honorários dativos ainda é altíssimo: somente em 2017 foram propostas 10.116 novas execuções. Diante da conclamação do Poder Judiciário em soluções desjudicializadoras[7], e da ausência, a priori, de insurgência do pagamento pelo Estado, não se encontra respaldo, sob nenhuma ótica, pela alta demanda judicial. A comunidade da advocacia dativa detém também a responsabilidade em não sobrecarregar o Poder Judiciário com demandas desnecessárias.

Neste sentido, correta é a recente orientação da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado, ao orientar todos os magistrados de que “o pagamento dos honorários dativos arbitrados contra o Estado do Paraná deve ocorrer, em regra, pela via administrativa, de acordo com os requisitos e formalidades previstas na Lei Estadual nº 18.664/2015.”[8]

O alerta é voltado ao Poder Judiciário. Não há risco maior a esta política pública do que a possibilidade de desequilíbrio financeiro diante das decisões judiciais que arbitram reiteradamente honorários em desconformidade aos valores previstos em tabela. A posição de muitos magistrados, de que a tabela é meramente orientadora, e se permitem determinar pagamentos superiores ao estabelecido, muitos irrazoáveis ou desproporcionais,[9] não levam, individualmente, a um desequilíbrio financeiro. Mas considerados sistemicamente, colocam em risco, sim, toda a estrutura criada para atendimento a toda uma coletividade em detrimento de uma situação individual.

Por isto, em boa hora a Corregedoria-Geral de Justiça determinou que “a fixação dos honorários dos advogados dativos pelos Magistrados(…) deve se dar de acordo com a Tabela elaborada pela Procuradoria-Geral do Estado/Secretaria da Fazenda Estadual, com a prévia concordância da OAB Paraná” e que “a discricionariedade dos julgadores na fixação do montantes devido a título de honorários dativos gira entre os limites mínimo e máximo de cada ato, de acordo com os critérios legais e o princípio da razoabilidade…”[10]

A política pública de estruturação e pagamento da advocacia dativa é um ótimo exemplo de cooperação entre o ente público e a Ordem dos Advogados, enquanto entidade representativa de classe. Não conflita com as atribuições da Defensoria Pública, mas lhe é suplementar e está em processo de contínua melhoria para aproximar-se cada vez mais do ideal de cumprir plenamente o disposto no art. 5º, LXXIV da Constituição Federal sem deixar de remunerar adequadamente o advogado particular pelo serviço prestado à sociedade.

Luiz Fernando Baldi é procurador do Estado e Chefe da Procuradoria de Honorários da Gratuidade da Justiça

 

[1] Art. 5º, LXXIV/CF

[2] Art. 134/CF

[3] Art. 98, §1º, ADCT/CF

[4] A realidade socioeconômica do pais, em que 28 a 30 milhões de pessoas viverão em situação de pobreza até o final de 2017; em que a renda média do país, de R$ 2.100,00, aliada a altos níveis  taxa de demanda judicial, com quase 80 milhões de processos tramitando ao final de 2016, traz imenso desafio para se cumprir na totalidade o comando constitucional (fonte: https://nacoesunidas.org/numero-de-pobres-no-brasil-tera-aumento-de-no-minimo-25-milhoes-em-2017-aponta-banco-mundial/ e CNJ: Justiça em Números 2017)

[5] Atualmente está em vigor a Resolução SEFA/PGE 04/2017

[6] Este Procurador tem conhecimento tão somente de situação semelhante em Minas Gerais

[7] Tribunais investem em desjudicialização e comemoram resultados, em http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80389-tribunais-investem-em-desjudicializacao-e-comemoram-resultados

[8] Ofício Circular 151/2017, de 30 de outubro de 2017

[9] Entre outros, tiramos de nosso dia a dia, estes exemplos: R$ 5.000,00 por uma defesa escrita e uma audiência em processo criminal sumário; R$ 1.500,00 a um curador especial por uma negativa geral; R$ 1.000,00 por uma nomeação ad hoc em audiência.

[10] Ofício Circular 135/2017, de 03 de outubro de 2017.

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