Físico Luís Carlos Crispino, da UFPA, vence Prêmio José Reis

 Físico Luís Carlos Crispino, da UFPA, vence Prêmio José Reis

O vencedor do 45º Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica – Edição 2025 é o físico e professor titular da Universidade Federal do Pará (UFPA) Luís Carlos Bassalo Crispino. O comitê julgador do Prêmio, que neste ano contemplou a categoria “Pesquisador e Escritor”, escolheu Crispino devido a sua trajetória destacada na divulgação científica.

Graduado em Física pela Universidade de São Paulo, com Mestrado e Doutorado na mesma área, pelo Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Crispino é bolsista de Produtividade em Pesquisa e membro do Comitê Assessor de Física e Astronomia (CA-FA) do CNPq, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Física (PPGF) da UFPA e atua como revisor de periódicos internacionais e como promotor de divulgação científica. O professor também é membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e Membro do Conselho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Sua atuação principal se dá em relação à teoria quântica de campos em espaços-tempos curvos, buracos negros e análogos, além de emissão de radiação por cargas aceleradas.

“As pessoas precisam saber da importância da ciência. Porque é isso que vai nos ajudar a combater o negacionismo, a combater as fake news”, salientou Crispino ao comentar o resultado do Prêmio José Reis, que considera “fantástico” por valorizar a divulgação científica. “Eu recebo obviamente esse prêmio com muita alegria, mas recebo não para mim. Eu recebo para todos os meus colegas, para os alunos que nos ajudam, que visitaram esse espaço (referindo-se a seu local de trabalho) e recebo pela Amazônia sabendo da responsabilidade, do compromisso que tenho ao receber”, comemora.

O Prêmio José Reis é a terceira premiação na carreira do professor, que em 2007  ganhou o Prêmio CLIO de História, outorgado pela Academia Paulistana de História. Em 2020, Crispino foi o vencedor do Prêmio Ernest Hamburger, concedido pela Sociedade Brasileira de Física (SBF) como reconhecimento, estímulo, valorização e visibilidade a iniciativas e atividades que popularizam as Ciências Físicas.

Além de receber certificado e importância em dinheiro, no valor de R$ 20 mil, o agraciado com o Prêmio José Reis recebe passagens aéreas e hospedagem para participar da Reunião Anual da SBPC, que neste ano será realizada de 13 a 19 de julho, na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).

Promovido pelo CNPq, o Prêmio José Reis foi criado em 1978 e tem como objetivo premiar aqueles que, por suas atividades, contribuam de modo significativo para a formação de uma cultura científica e por tornar a Ciência, a Tecnologia e a Inovação conhecidas da sociedade. O Prêmio é atribuído de forma anual, em sistema de rodízio, a três categorias: Pesquisador e Escritor; Jornalista em Ciência e Tecnologia; e Instituição e Veículo de Comunicação.

Em 2025, a categoria contemplada foi a de Pesquisador e Escritor. Nesta edição, o CNPq recebeu 233 inscrições ao Prêmio, 118 delas foram pré-selecionadas. As propostas foram analisadas por Comitê Julgador que considerou a qualificação, a experiência e a trajetória profissional do proponente; a qualidade e a relevância da produção científica e tecnológica e popularização da ciência, tecnologia e inovação; além da visão crítica e analítica das políticas públicas de C,T&I.

A construção do que parecia impossível

Nascido em Belém em 1971, desde criança Crispino demonstrou interesse por ciências e astronomia e teve incentivo da família, em especial de um tio materno, que se tornou físico de destaque naquela cidade. “Praticamente [ele] iniciou a física aqui em Belém, junto com outras pessoas”, relembra. Na adolescência, Crispino já dava aulas particulares e comprava equipamentos para montar seu laboratório com o dinheiro que recebia, como a primeira luneta para observar o céu. O professor lembra que também foi beneficiado pela generosidade de conhecidos. “Por exemplo, um amigo desse meu tio físico me deu uma coleção de revistas Sky, que é uma revista de astronomia que até hoje existe. O meu vizinho da frente de casa, sabendo do meu interesse pela astronomia, me presenteou com um telescópio”, afirma.

Crispino ingressou como professor na UFPA aos 21 anos, antes mesmo de cursar pós-graduação. Décadas depois, ele reflete sobre a evolução do Programa de Pós-Graduação em Física, que coordena na UFPA. Para ele, é uma demonstração de que é possível se desenvolver programas de qualidade em qualquer região do Brasil, fora do conhecido eixo Sul-Sudeste, desde que se disponha de estímulos apropriados. “Eu acho que o sucesso que esse Programa de Pós Graduação em Física teve aqui na região amazônica, ele é simbólico. Porque ele é simbólico? Porque mostra que, mesmo em um local improvável, se houver uma organização de pessoas dispostas a construir algo e se esse algo for incentivado pelo poder público, pode ser bem sucedido”, comenta.

O professor lembra que, há vinte anos, ocupava uma sala mínima e utilizava para o trabalho material alternativo de baixo custo, como sucata. Hoje, o Programa de Física é sediado em prédio de dois andares, com dezenas de salas. “A gente poderia pensar puxa, isso é impossível, não é? Ainda mais na Amazônia. Então, que bom que a gente não sabia que isso era impossível e a gente foi capaz de construir coletivamente. Conseguiu construir graças à colaboração de muita gente do CNPq, da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), da própria universidade, mas fundamentalmente, da massa humana, da massa crítica humana que se formou aqui. Os professores, sim, mas principalmente os alunos que foram capazes de encarar esse desafio sem saber muitas vezes que isso era improvável e deram o seu melhor e conseguiram extrair de si próprios o melhor e conseguir grandes conquistas. Realmente isso é impressionante”, comenta.

Crispino atenta também para a relevância dos aportes recebidos em recursos de infraestrutura. “Então, o meu agradecimento a todos aqueles que apoiaram essa iniciativa, apoiaram essa vontade de fazer divulgação científica na Amazônia. E que vocês, por favor, continuem apoiando as iniciativas novas que surgem. Quanto mais periférico o local, quanto mais longínquo de um grande centro, maior é a necessidade do apoio das instituições federais. Então, continuidade aos editais de apoio, de fomento à divulgação científica, continuidade aos investimentos na divulgação científica”, pede, salientando o suporte recebido das agências de fomento, em especial do CNPq e da CAPES.

O professor aponta que a aquisição de equipamentos sempre foi uma grande dificuldade para a montagem de laboratórios. “Porque não há verba para isso”, diz, lembrando que, no início das atividades do Programa de Física da UFPA era necessário ter criatividade, construir experimentos para apresentar aos visitantes com materiais recicláveis, como garrafas pet. O Núcleo de Astronomia, fundado em 2006, por exemplo, funcionou no começo com os telescópios que o professor possuía desde garoto. Hoje, o Núcleo tem o maior acervo de telescópios da Amazônia.

Além de ressaltar a possibilidade real de se construir programas de pesquisa e pós-graduação de excelência nas regiões mais distantes do país, Crispino menciona, ainda, os benefícios intangíveis que essas iniciativas podem trazer. “Essa questão de pertencimento, de dizer ‘olha, eu não preciso sair de Belém do Pará, eu não preciso sair da Amazônia para fazer parte de um grupo, de uma equipe que realiza ciência de qualidade’, eu acho que isso é importante inclusive para a autoestima do jovem. Ele perceber que o seu local tem valor, inclusive no que tange à produção científica”, comenta.

Na opinião de Crispino, pessoas de todas as partes do país precisam acreditar que podem conseguir qualquer coisa, inclusive em seu próprio local de origem. “Isso é muito importante, porque é essa crença e esse pensamento que nos faz acordar a cada dia e sempre buscar o melhor de nós, independendentemente de dificuldades. Não é que simplesmente o cidadão amazônida saber da importância da Amazônia para o mundo. Ele precisa saber do valor da Amazônia para ele mesmo. Entender que ele é capaz de ter uma vida digna na Amazônia. Porque nós só vamos conseguir preservar a Amazônia quando o cidadão amazônida tiver ele uma vida digna para si e para sua família”, diz.

A divulgação científica para conhecimento da sociedade

Agraciado por suas iniciativas no tocante à divulgação científica, o professor reflete, ainda, sobre a importância de o cientista dedicar uma parte de seu tempo para publicizar os progressos realizados em seu trabalho e o impacto que esses resultados trazem para a sociedade. “A maioria de nós, cientistas, é financiada pelo poder público, por verba pública. Então, eu acho que passa a ser uma obrigação nossa retribuir para a sociedade esse investimento que é feito em nós”, sublinha. Para ele, esse retorno da Academia para a sociedade implica transcender o espaço de centros e instituições onde se faz pesquisa em outras direções. “O ser humano é apresentado à ciência na escola. Então eu acho que é muito importante que as instituições de ensino superior, os centros de pesquisa, tenham sempre um contato, uma parceria com as escolas de sua região ou mesmo online”, afirma.

Na opinião de Crispino, o divulgador científico deve ter sempre em mente qual é o seu público e como as apresentações sobre ciência devem ser realizadas para cada tipo de expectador. “Nós aqui constantemente recebemos ensino fundamental, ensino médio, ensino superior, a terceira idade. Então é importante para o divulgador de ciência ter muito claro o seu público. Da mesma forma, quando eu vou apresentar uma experiência, um conceito de ciência para o meu filho de dez anos de idade, eu tenho que pensar em qual a melhor maneira e estar sempre aberto através do feedback, através do retorno que ele me dá”, reflete. “Muitas vezes uma pessoa não vai conseguir comprar um smartphone, não vai ter acesso a um sinal de satélite e uma internet, mas ele vai ter uma escola, ele vai ter uma escola local e naquela escola é onde tem que ser apresentada a ciência para ele. É naquela escola que tem que ser feita a divulgação científica. Então a mensagem também é muito importante”, conclui.

Para exemplificar uma das iniciativas de divulgação científica sob seu comando, o professor cita projeto financiado pelo CNPq, que permite a realização de mostras de astronomia e ciências espaciais em diversas cidades do Estado do Pará. Já aconteceram mais de vinte mostras em que os cientistas da UFPA se deslocam para outros locais, levando equipamentos e pessoal como monitores, voluntários e técnicos de laboratório. Para Crispino, um das realizações mais emblemáticas dessas demonstrações de ciência fora dos espaços de pesquisa foi a realizada com apoio do CNPq no município paraense de São Félix do Xingu, em outubro de 2023. Naquele mês, aconteceu um eclipse anular do sol, perceptível na Amazônia e, em particular, na faixa do Estado do Pará onde o município está localizado. “A nossa equipe foi com uma pessoa da Secretaria Municipal de Educação de São Félix do Xingu, em uma aldeia indígena, e lá colocamos um telescópio para a observação do eclipse. Isso me comoveu. […] É uma das uma das realizações mais emblemáticas assim da divulgação científica desse centro que hoje nós temos aqui”, rememora.

Diogo Cavazotti Aires

Diogo Cavazotti Aires

dcavazotti@gmail.com / Jornalista há mais de 20 anos, com experiência em jornal, TV, revista, internet e assessoria de imprensa. Único jornalista brasileiro a ganhar uma bolsa de investigação da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ganhou diferentes prêmios, como o Troféu Sangue Bom do Jornalismo Paranaense (quatro vezes), o Prêmio Ocepar de Jornalismo e o Prêmio Top Inovação na categoria direitos humanos. Doutor em Educação e mestre em Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário.

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