E agora, futuro?

 E agora, futuro?

[vc_row][vc_column][vc_column_text]Recente polêmica sobre o corte de verbas nas universidades públicas põe em cheque o destino de vestibulandos e da pesquisa acadêmica no Brasil

Por Diogo Cavazotti Aires

Precisamos ser sinceros. As notícias políticas sobre graduação pública que surgiram nos últimos meses não são animadoras. A diminuição expressiva de recursos federais coloca em risco o trabalho de pesquisa e formação que universidades mantêm há décadas. Trata-se de uma possível geração sem acesso a estudo gratuito de qualidade e de uma sociedade que não poderá se beneficiar das pesquisas do meio acadêmico. Entre os professores o comentário é que as medidas adotadas pelo governo federal dificilmente serão reversíveis a curto prazo.

O resultado disso é desastroso. Pode-se levar tempo para que a universidade pública volte a ser um ambiente propício de pesquisa, requisito inerente à formação dos profissionais que vão construir o futuro de um povo, de uma nação. Este trabalho desenvolvido pelos alunos e por instituições contribui para a descoberta de tratamentos de saúde, a criação de produtos agropecuários e da agricultura, novas funções para materiais antes descartados e muito mais.

Talvez você não tenha estudado em um universidade pública nem participado de um programa de pesquisa deste segmento, mas certamente já se beneficiou de algo que foi desenvolvido no âmbito acadêmico. Quer exemplos? Talvez o mais famoso seja a rede social Facebook, criada no meio universitário. Mas claro que há modelos brasileiros. O site de comparação de preços Buscapé veio da mesma forma. A lista é grande e não envolve apenas o ambiente virtual. Pesquisas em alimentos, estudos sobre violência, doenças, terapias celulares e sobre o genoma humano, matemática, biodiversidade e fármacos, inovação em gás natural, bem-estar e comportamento, entre muitas outras áreas. Muitas!

Certamente pode-se imaginar que as universidades privadas preenchem esta lacuna. Dados do Centro da Educação Superior 2017 divulgados pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) colocam que 92% das instituições de ensino superior no Brasil são privadas. Entretanto, um estudo realizado no ano passado pela empresa norte-americana Clarivate Analytics apontou que as entidades educacionais públicas eram responsáveis por 99% da produção de pesquisa no Brasil. O corte de investimento, hora divulgado ser de aproximadamente 30%, ora de 3,5%, vai mexer com este dado e, certamente, com o número de alunos atendidos.

Exemplo

A turismóloga Muriel de Oliveira e Silva é mãe de um jovem de 17 anos. Ele estuda de manhã e noite, todos os dias, pensando em entrar no curso de Economia ou de Direito na Universidade Federal do Paraná (UFPR). No entanto, as notícias das últimas semanas ameaçaram os planos da família. “O meu desejo era que ele fizesse a UFPR. Mas agora com estes cortes eu não sei. Não adianta passar e depois não ter condições de estudo. Estamos com medo e isso tem apavorado a gente”, revela. Muriel estudou em uma universidade particular com 100% de bolsa pelo Prouni, programa federal criado em 2004. “Agora, a nossa ideia é ele fazer o Enem e tentar alguma faculdade particular com bolsa. Não consigo pagar sozinha. É uma opção que a gente não tinha, mas agora passou a valer”.

Se o filho de Muriel optar pelo curso de Economia e entrar em uma tradicional universidade privada de Curitiba, o valor atual da mensalidade é de aproximadamente R$1200 durante quatro anos. Caso ele queira se tornar um advogado, o desembolso sobe para R$1700 por cinco anos, sem contar o reajuste anual.

A realidade de Muriel não é a única. Para boa parte da população, quando se fala em educação particular o principal peso na balança é o valor da mensalidade. Uma pesquisa de 2017 da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) apontou que 70% dos estudantes que se formam no Ensino Médio não continuam os estudos na faculdade por falta de dinheiro. Afinal, opções de bolsas existem, mas não atingem a todo o público-alvo.

Pesquisa

Você pode estar se perguntando: os investimentos nas universidades públicas caíram e a concessão de bolsas para mestrado e doutorado por meio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) estão suspensas (também anunciada recentemente pelo Ministério da Educação). Então, em qual situação fica a pesquisa no país? Nada bem. Já foi apontado que a universidade privada representa apenas 1% deste setor.

Contudo, dentro desta mísera performance há que se reconhecer boas descobertas. Recentemente uma técnica veterinária aplicada pela primeira vez em um cavalo ampliou as oportunidades de tratamento dos equinos. O procedimento foi realizado em um puro-sangue inglês que nasceu com má formação nos ossos. O animal passou por uma ostectomia em cunha, usualmente realizada em cães e gatos, mas nunca utilizada em cavalos. O tratamento foi um sucesso e agora a equipe do curso de Medicina Veterinária da PUCPR, responsável pela cirurgia, prepara o lançamento de um artigo sobre a experiência e, assim, disseminar o procedimento. “A potranca hoje corre, não tem dor alguma, tem condições até de ser mãe. É uma técnica que pode ser utilizada em outros quadrúpedes”, comemora o professor José Ademar Villanova Júnior.

Potro nasceu com má formação nos ossos e seria sacrificado pelo criador (acervo PUCPR)

O caso foi levado para a universidade pelo ex-aluno de graduação Pedro Augusto Lara, que realizava pesquisas nesta área. A iniciativa inédita serviu de trabalho de conclusão de curso do atual jovem médico veterinário. “Com uma deformidade grave como aquela nenhum criador iria optar por manter o animal. Ou seja, o destino era o abate. E a estrutura que recebi da instituição possibilitou realizar esta iniciativa inédita. Agora muitos poderão se beneficiar dela”, explica.

Evolução do cavalo após processo cirúrgico inédito realizado por universidade particular (acervo PUCPR)

Claro, este é apenas um exemplo. E nem toda instituição particular dá a abertura necessária para este custeio. A pesquisadora Vanessa Carla dos Santos, agora mestre em Educação e Novas Tecnologias, realizou um estudo sobre realidade virtual imersiva na educação escolar indígena. A pesquisa envolveu uma aldeia guarani na Ilha da Cotinga, em Paranaguá (PR). A aluna utilizou de recursos próprios para realizar todo o trabalho, incluindo 10 viagens com travessia de barco e confecção em marcenaria de dois observatórios solares dos índios. “Em nenhum momento a universidade se envolveu financeiramente com a  minha pesquisa. Eu achei que, vendo meu esforço, isso iria acontecer em algum momento, pois também é um retorno para a instituição. Mas não”, revela. “A minha ideia era deixar algo para a comunidade. Consegui. Poderia ter feito mais se tivesse apoio, que é sempre bem vindo na vida de um pesquisador”, diz Vanessa.


A mestre em educação Vanessa Carla dos Santos realizou trabalho de pesquisa em comunidade indígena com recursos próprios (acervo Vanessa Carla dos Santos)

Balança

Com a pesquisa acadêmica nas universidade públicas na corda bamba, é o momento do aluno cobrar das instituições pagas um papel efetivo no universo do debate, do pensamento crítico. É o momento deste universitário protagonizar um ambiente provocador e fazer cobranças. Mostrar que o espaço acadêmico deve ampliar a diversidade de ideias, o acolhimento de boas iniciativas, o livre pensamento, o envolvimento da comunidade e, claro, a pesquisa. Assim, quem sabe um dia, esta didática ocorra frequentemente de forma reversa.

E no debate sobre os problemas da falta de investimento, a solução pode vir da união entre os conhecimentos, como aponta Pedro, o aluno que realizou os estudos com o cavalo. “Quem sabe uma parceria entre universidades públicas e privadas. Pode haver troca de estrutura, material e conhecimento. Elas dividem a assinatura dos resultados e ambas saem ganhando. Algo dessa maneira poderia resultar em um trabalho grande”. Poderia. E pode.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

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